sábado, 27 de outubro de 2007

EU, ALBATROZ ! * de Marantbarfer

EU, ALBATROZ !

- "Bom Dia! Como vai você?” Estranha essa sua pressa a essa hora da manhã...! – mas ele não houve o que digo. Dispara com seus passos aparentemente efêmeros, que fingem direção estabelecida e some atrás da banca de jornais do Sr. Haroldo, o felizardo que tem as mulheres mais belas do mundo ao seu alcance, às suas mãos, todos os dias.
- "Morda um pedaço do sol na manhã..!"- gritei eu, em uma última tentativa frustrada.
Mas creio que a essas horas ele já deve ter alcançado o leito de areia clara, na margem estreita do rio e daí sumirá por um bom tempo, certamente só voltará à tarde, no cair do sol. Talvez até, amanhã ou em outro dia qualquer. Vadio esse vira-latas. Também...? É o cão do mendigo Horácio, que mora embaixo da ponte velha.

Acho que hoje não estou muito bem. Ou será que estou bem demais? Talvez seja isso, estou tão bem que pareço não estar nada bem. É meio complicado ficar bem, parece que é uma obrigação de todos nós.

O dever de estar bem, de ser feliz. Todo mundo te cobra essa droga o tempo todo, até você mesmo. Mas, se você se torna por infelicidade um cara feliz, logo vão te cobrar a possibilidade de ser feliz pacas, ser muito feliz, superfeliz e logo vem a obrigação imediata de se tornar hiper, ultra feliz. Tô fora!

Nunca mais quero abraço emprestado, sem cor. Nunca mais aquele sorriso senil, amador. Nem aquele perfume de amora de quintal, doce de flor. Nunca mais perdão, depois do adeus.
Eu sou apenas um réu primário. Que confessa tudo como um inocente e por isso viro culpado. É, mas eu sou um bom homem que crê na atitude de inflar o peito e não lançar mão do ódio rude que cultivo no peito, nem sei bem porque ou por quem. Na verdade não passa desses ódiozinhos circunstanciais... Mas eu bem sei, que devo esquecê-los todos na poltrona do cinema, como se faz com os casacos e guarda-chuvas.


Lambo um tasquinho de céu nesse dia tão cheio de amor? Cheiro um tiquinho de ar até quase encher o peito de perfume de flor?

Eu só reflito sobre o que há de bom para se fazer. Beber um golinho amargo de mar e refeito ver que é bom renascer... Voar por sobre as montanhas e se ocultar na gruta vermelha, na caverna do lobo... Caminhar pelas fendas do despenhadeiro até o braço longo do rio... Deslizar pelo precipício e me atirar do penhasco que bebe o vento.

Novos pássaros exóticos surgem lá no fim do mundo. Seus desenhos futuristas, suas cores deslumbrantes, suas garras e algo semelhante a grunhidos... Parecem tão perversos em seu layout de cinema interplanetário, que choca!
Raptam belas moças virgens e levam para Atlântida. Banham-nas em águas puras e mornas com ervas finas da Mesopotânia, armazenadas em potes de porcelana extremamente finos.

São imensas as aves que cruzam toda a Oceania e planejam chegar a Marte com seus assustadores cânticos de agouro, que rasgam o espaço.
Eu também quero chegar a Marte, hoje mesmo, até o fim do dia. E quero levar em meu bico inox àquela mulher que amo. A dona da minha vida. Não sei é se ela quer ir. Está meia que de mal comigo, como sempre; nem lembro mais o motivo.

Chegar a Marte é um problema meu, uma especial necessidade minha, não tenho que envolvê-la nisso. Daqui a pouco começo a transformar-me e tomo um novo aspecto que gradativamente vai alterando minha imagem e eu me torno algo especialmente estranho.

Pois é, no fim das tardes eu também viro ave imensa e assustadora, com meu olho vermelho e amarelo, mas sou apenas um meigo Albatroz, que sonha alto, muito alto, com inveja dos outros, querendo ser assustador também.

Aguardem e verão. Eu, albatroz!

FIM

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