A Mãe de Donovan!
Faz frio nessa manhã de Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Nesse bairro e especialmente nessa rua muda, tão cheia de verdes em tons tão escuros, com seu imenso casario tristonho aparentando ter mais de um século de existência. O silêncio predomina e o tédio permite e transforma o ruído do tecer das aranhas vermelhas, em suas teias, em intenso burburinho, explosão de sons incompreensíveis, que vagam como ecos por labirintos semi-escurecidos das velhas casas úmidas.
A casa antiga que habitamos é esguia e insignificante em seu valor venal, envolvida por enorme gradeamento sem trato, com seus incontáveis pontos de ferrugem, definha e grita por socorro, ao exibir seu estado de profunda degradação.
Alma, a cortesã impoluta, que em seu íntimo anseia por reconhecimento, consideração, carinho ou vingança e não suporta mais a humilhação e o descaso que recebe de seu amado e do restante da família, finalmente recebe dos céus o momento de prêmio que desejava já há tanto tempo e com isso, inebriada, invade o grande salão opaco, sem vida, dito nobre, correndo ofegante e desajeitada. Cada passo rápido faz ranger e ecoar o velho assoalho encerado com esmero, o que espanta até mesmo o gato gordo acinzentado que ali mora.
Ela, por fim, cai sentada no tosco divã histórico que pertenceu a um príncipe Egípcio qualquer, conforme afirma Donovan em seus constantes momentos de delírios megalomaníacos. Ainda assim, na ânsia de blasonar agarra-se à caríssima, grossa, pesada e comprida cortina, que ali está para vedar uma luz de vida que insiste em vazar os imensos janelões de carpintaria fina, esculpidos em nobres madeiras vindas da Índia, a ferir os antigos móveis, no interior.
- Donovan..! Donovan..! Donovan..! – Alma grita sem respirar, desesperadamente à procura do amante, que não consegue identificar seu sentimento de angústia, que pende entre a alegria desenfreada e o ódio mordaz, oculto nos lábios finos e no olhar morno.
- Calma mulher. Comporte-se. Controle-se. Que barulheira absurda é essa? – diz um Donovan com voz pausada, interrompendo a tediosa tarefa investigativa de analisar o fato de haver ou não sujeira em suas unhas longas e frágeis.
- Vamos, diga logo o porquê desse maldito barulho a essa hora da manhã...? Porque tamanho escândalo...? – Indaga Donovan falsamente curioso e semi-sorridente, com seu indisfarçável tom de menosprezo à mulher que tem.
Alma controla a respiração e esboçando uma calma provocante, ela que exercitou por tanto tempo àquela situação, cruza as pernas com elegância, sensualidade e lascívia, para só então sussurrar junto ao ouvido do seu homem...
- Sua mãe... Sua mãe... - Responde Alma, aumentando o tom gradativamente, sem controlar o riso que já beira a gargalhada...
- Sua mãe morrrrreeeeuuuuuuuuu!!!!
FIM
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