sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

PERCURSO DE GUERRA * por Marferart



0caribe.jpg (9404 bytes) Aldeia de Pescadores - Di Cavalcanti







PERCURSO DE GUERRA

Caminho pelo imenso salão em meio à pouca luz
Ouço o som suave de um sax que chora um dó maior meigo
O prédio, envolto em estrutura aluminisada e pele de vidro. E posso, assim
Ver toda a cidade de Havana, seus cassinos e mansões à beira mar, os
Automóveis luxuosos, nessa noite fresca de abril, em 1942.

O run forte me rasga a garganta como o sax faz com a noite
E esses benditos charutos de campanha, depois das ostras.
Estranho como estou só, nesse terno riscado elegante e meu chapéu de agave...


Daqui do alto desse avarandado entregue ao sabor de estrelas
Tremo ao som suave de um violoncelo rígido em um si bemol pleno
Essa residência centenária cravada no seio da rocha se inclina sobre "il mare"
Nápole tem cheiro de história e mistério, sob os chapéus de feltro
Homens sérios e mulheres misteriosamente ocultas me encantam, no verão 1943

Um vinho sêco, com minha idade, enfeita o naco de javali assado
sob o queijo de provence
E esses benditos charutos de campanha, depois do chocolate quente
Estranho como estou só, nesse meu terno negro que copiei de Antonione

Aqui há tanta luz à ofuscar minh’alma, que pisa esse frio mármore secular
Um piano encantador e um bandallion argentino, em lá menor, suavizam meus músculos mais íntimos
Nesse apartamento encantadoramente simples em Montmartre, arredores de Paris
Observo as ruas e vielas, o cheiro de arte, músicas, amor e sonhos
Vejo discretas senhora suspeitas a convidar-me ao ócio da aventura,
nesse outono de 1944

Comprei flores primaveris e queijos rústicos de armazém, que agridem o champagne escuro
E esses benditos charutos de campanha, após um sorvete de fruta exótica da África
Estranho como estou só, descalço, nesse jeans azul como o céu da França

Acordo nessa praia abandonada, estreita, da Urca. Semi-nu, manhoso e com um calor do
qual já havia esquecido.
Ouço um som ao longe. Um violão dolente? Um tamborim vadio?
As matas descem o pequeno morro e deitam-se sobre a praia, invadem o mar, como cabelo de mulher
Assaz bêbado tenho fome e quero pães quentes com queijo branco de empório
Preciso de uma mulher, no verão louro do Rio, nesse fevereiro de 1945

Tenho pouco dinheiro nos bolsos e não mais os quadros de Matisse, Monet, Goya, Gauguin, Renoir
Os benditos charutos de campanha, que o guerrilheiro me deu, acabaram-se
É compreensível que eu esteja só, nessa calça branca de marinheiro? É carnaval e a GUERRA ACABOU!

Acho que vou mergulhar nesse mar incandescente...

sábado, 17 de novembro de 2007

ALICE DE BRASILIS, NO PAÍS DAS MARAVILHAS! * por Marantbarfer

Alice de Brasilis *

Texto escrito para (amenizar a dor circunstancial de) Naza.


Era uma vez, uma menina lânguida e aplicada de nome Alice. Aquela mesmo, do País das Maravilhas, mais propriamente da capital Brasilis, de um certo país tupiniquim. Em seu inocente passeio matinal pela floresta que circundava o palácio, distraiu-se e acabou por adentrar em um pavoroso pântano e atolou as pernocas até os joelhos.

Acreditava ter necessidade lógica de penetrar naquele pântano negro de esgoto in natura, onde o senado, o legislativo, o judiciário e os skambaw largavam seus dejetos, excrementos podres populistas e elitistas sem dó nem piedade.
Mas Alicinha tinha algo de dignidade nas entranhas e quando ( que decepção) o horror luxuriento penetrou por suas botas de couro de jacaré da Indonésia, ela com agilidade felina saltou para trás e agarrou-se em um cipó poderoso e viril, saltando assim daquela maré braba para a salvação. Por muita sorte, um belo cavalheiro com dentes de ouro e também viril estava naquele exato momento passando bem por ali e a salvou, seu nome: Lord R. Jefferson. Feito isso, nem olhou mais para trás e partiu no cavalo lilás do bonitão e nunca mais deu bola para a podridão do pântano e seus swings.
E foi feliz para sempre, jantando naquelas mesas enormes em que mal se vê o outro, da outra ponta, em que o serviçal atende aos pedidos de bicicleta. Além disso deu exemplos de dignidade fazendo muito amor com preservativos da época para evitar a explosão demográfica e evitou até o fim ser fotografada pela Playboy, aliás ela detesta o Duran. Boa menina a Alicinha.
Quanto aos da lascívia, estão até hoje no maior bacanal. Danem-se pois (snif, inveja).

Enquanto o Rei Lulis mandou por aqui, as coisas não tiveram jeito. O cachaçal reinou direto, principalmente durante os churrascos depois das peladas reais e após os acertos das intermináveis falcatruas e infindaveis sacanagens que cercavam as arrumações das mamatas.

The End

Marco Antonio B. Ferreira (Marantbarfer)0 comentários ,tendo por base texto de W. Shakespeare, já eternizado (enquanto eu...?)Links para esta postagem

sábado, 27 de outubro de 2007

MARJORIE, AMOR A PRIMEIRA VISTA! * de Marantbarfer

Marjorie, Amor à Primeira Vista!



Quando desci do pomposo veículo negro, nessa calçada tão antiga quanto arrogante, lembrei daquela praça imensa na Eslováquia. Há um ano atrás, meus olhos tensos cruzaram com os daquela mulher e desde então aquela visão não me abandona a mente.
Mesmo distante, do outro lado da praça como eu estava e ela dentro daquele ônibus sob a chuva, quando nossos olhos se cruzaram iniciou-se uma emoção irresistível e foi para mim como se estivéssemos a trinta centímetros um do outro. Até agora sinto em sonho seu perfume. Nossos olhos se mantiveram presos naquela emoção até que o ônibus se foi, levado pelo destino e pela onda clara, nascida daquela chuva forte, que como uma horda buscava direção.
Agora, atravesso essa definitiva porta, de estrutura leve em madeira, sem contudo tocar no vidro translúcido impecavelmente limpo, onde se pode ler o discreto anúncio Le Classic, que dá nome a esse restaurante. O homem acolhe meu casaco pesado e também meu chapéu de feltro inglês, sem sorriso, sem um olhar sequer, emitindo apenas uma imperceptível saudação obrigatória. Em toda a Europa me passam sempre a impressão de não gostarem de estrangeiros, notadamente os da América do Sul e os do Oriente e é comum que eu me sinta incomodado em ambientes públicos pelo tratamento dispensado, com exceção apenas dos locais de arte, como museus, teatros e em espetáculos populares, onde normalmente prestam atenção nos grandes astros e não nos transeuntes.

Aproximei-me da mesa reservada e tive um choque de impacto inenarrável.
Foi uma olhadela rápida, distraída e lá estava ela, vestida em sonho.
Curioso como em certas circunstâncias uma rápida olhadela pode ser detalhista, marcante, definitiva. Durou uma fração de segundos, mas eu poderia a partir daí narrar a quem quer que fosse os mínimos detalhes daquele rosto tão raro e particular. Opinar sobre aquela personalidade, tecer detalhes sobre o caráter daquela mulher tão distinta. Ah! Eu poderia sorver-lhe a alma com a ambição única de ser seu proprietário, como se isso fosse possível. Uma mulher como aquela é absolutamente auto-suficiente e está acima de tudo. Um homem honrado a serve e nada mais, que se dê por satisfeito.

Tem os olhos fundos, gritantes e com predominância para o azul, sobre um rosto magro e levemente moreno, que se mistura aos cabelos finos, negros, extraordinariamente bem perfumados, panoramizando um jogo perfeito.
É como se uma foto em preto e branco desse cores a apenas alguns detalhes de uma estampa formidável.
Os cabelos curtos parecem levemente molhados. As cores se acendem novamente para dar vez a lábios carnudos e apetitosos que emolduram uma boca rubra, com dentes alvos, firmes, que cintilam sadios a cada delicada intervenção que pronuncia. O nariz suave, porém altivo, denuncia a personalidade de marcante inteligência, requinte e bela formação.
Mulher adorável essa. Retilínea, de queixo angular com furo tão angelical, como os discretos das faces, abaixo da base de cada órbita, que se acentua nos movimentos de extremada simpatia, como nos leves sorrisos. O pescoço fino ostenta apenas uma tênue gargantilha de veludo azul-marinho, que sustenta a pequena medalha dourada que traz uma pedra rara e preciosa como detalhe.
Tudo isso se faz refletir nessas inesquecíveis e finíssimas vidraças, com o auxílio das muitas e famosas luzes, que habitam essa noite de Paris.
Está sentada razoavelmente oculta, do colo para baixo, atrás do biombo revestido em seda chinesa de tom verde musgo, que lhe protege a mesa, com extremado requinte.
Mas, mesmo assim, daqui eu lhe adivinho o corpo.

Num repente ela me olha. Meu coração treme. Seria eslovaca?
O que fazia naquele ônibus? Para onde ia? Lembra da chuva? Lembra de mim?

Seus olhos se desviam com suavidade e num repente voltam aos meus com expressivo brilho.
Ela sorri quando lhe mostro a taça do borbulhante champagne.

Estou feliz como uma criança enorme.
Começo a contar a história da minha vida agora, somente agora. Pois só agora nasci para a vida.
Seu nome? Agora eu sei. É Marjorie!

The End

UM VESTIDO BRANCO * de Marantbarfer

Um Vestido Branco


O tigre se quebrou rugindo. Com a ferocidade esperada bramiu assustadoramente, pela sala, para espanto e desespero de nossos olhos esbugalhados, que surpreendidos não acreditaram no escandaloso espetáculo que viram, não só pela perda da delicada peça como também pelo inusitado do show com cores tão magnificamente belas e fortes.
Com o choque, milhares de partículas tilintaram pelo chão rude e o velho mármore se abrilhantou com toda aquela vermelhidão. O cintilar diferenciado e especialmente azul da matiz, dos olhos em cristal do tigre dito africano, bailou sorrindo contrariando o rio de sangue da estrutura que moldava o corpo em vidro, cor de vinho.

O céu estava fechado em negro. Nem o brilho do tigre em vidro espatifado, nem o carnaval banal e indolente do Rio, naquele fevereiro de 1966 ou mesmo aquela bela mulher com suas coxas estupendamente belas e grossas, de pêlos grandes e dourados, foram capazes de clarear o tempo fechado e ruim que se estabelecera de forma tão cinzenta ante o vento inesperadamente forte.
Ela, com graça e leveza, varreu pacientemente todo o espaço e depois agachou-se delicada e descuidada para catar cada caco que aos poucos desapareciam em um saco pardo de papel grosso, que vinha nas compras do armazém. O vestido, generoso, apertava as curvas com cuidado e de tão curto deixava à mostra as pernas sedutoras da moça loura, sem falar no decote que apertava os seios delicados, reluzentes e rijos, que quase explodiam ali dentro. Duas casas estavam desabotoadas e as sardas douradas que se misturavam com aqueles cabelos sedosos, cor de sol ao meio dia, não me deixavam respirar.

- Gostou? Do meu vestido? É lindo não é? É um tubinho... Última moda na zona sul, sabia?
Pedi ao meu marido e ele comprou. Prefere que eu use só quando ele está, só para ele. Mas, às vezes eu uso escondido só pra ver o efeito que ele causa nos pobres mortais. Você é um mortal? - Ela sorria quando disse isso virando-se lentamente em minha direção. Além de tudo, noto agora nessa posição, que o tal vestido fica também transparente de tão branco e arrochado.

- Olhas é pra meu vestido, não é ? Vê lá, seu safadinho, você é um garoto, muito novinho mesmo. Bem que, com esse tamanhão todo você já causa impressão, não é mais um fedelho. Tem até pelinho no bigode! Quantos anos você tem? - Ela sem querer, eu achei na hora, abriu um pouco as pernas com sensual simplicidade e fez as minhas bambearem, com a visão mágica da sua gruta angelical, vestíbulo com lábios de prazer. Ela simplesmente não usava calcinha.
Eu queria sentar-me, sair, sumir, voltar, não sei. Tudo pela emoção incontrolável que jamais sentira antes e também pelo volume incômodo e inconveniente que já se destacava e que ela percebia, com seu jeitinho maroto.

- Quantos anos você tem, meu amor..? - repetiu, enquanto levantava-se lenta e provocantemente, a postar-se à minha frente com seus olhos vivos e brilhantes, fixo nos meus.

Meu corpo se arrepiara, todos os meus pêlos se eriçaram e a glande e o prepúcio tentavam rasgar violentamente minha calça sem que eu tivesse qualquer controle. Aliás eu nem tentava, não conseguia raciocinar, havia uma pressão enorme em minha cabeça e todo o meu sangue pressionava todas as partes do meu corpo como se tivesse multiplicado a litragem disponível por dez, por cem, por mil.

-Dezessete. Tenho dezessete anos! - menti, meio sem jeito.
- Dezessete? Tem certeza? Eu imaginei uns quinze e já considerei que era bom... Pensei que iria te inaugurar. Mas com dezessete você já um homem experiente, não é? Já conheceu muitas meninas... Elas estão por aí, por toda parte, se insinuando, correndo de encontro ao que parece ser maravilha, ao que pode ser benção. Um pedaço de homem como você já se esbaldou por aí! - Ela falava e sorria levemente. Acho que sabia que eu não tinha aquela idade coisa nenhuma e que ainda por cima era vergonhosamente virgem. Eu não sabia como agir, o que fazer, o que dizer, estava perdido na emoção e o pau lá, desconcertantemente duro.
Ela se aproximou ainda mais de mim, roçou seus lábios absolutamente vermelhos nos meus trêmulos e gelados, meteu sua língua em minha boca e com a mão direita tocou a profundidade da minha alma, que a essa altura morava dentro da minha braguilha e por pouco não ejaculei precocemente e estraguei tudo. Seu corpo fervia e o meu destilava. Tentei colocar minha mão direita em seu ombro e não consegui. Tentei dar um passo à frente para encostar meu corpo no dela, mas estava petrificado, era uma estátua grega. Um poste de esquina.
- Escute, disse ela com a boca quente mordendo minha orelha prenhe e com a língua sanha roçando o meu ouvido. Não faça nada, absolutamente nada. Deixe que eu cuido de tudo isso. Sei que está perturbado por estar na casa de uma mulher casada, proibida, com a responsabilidade de administrar e satisfazer esse Constelletion que está à suas mãos. Eu sei que é areia pra caramba, um tremendo carregamento, mas confio em seu caminhãozinho e quero, faço questão de diversas viagens, hein? É uma ordem. O importante está resolvido, essa sua coisa está super dura. Aliás, doentiamente duro, duríssimo esse seu pau. O restante, é comigo.

- Ela falava com a boca dentro do meu raciocínio e me enlouquecia. Não havia pensado em seu marido coisa nenhuma e não queria pensar, já que ele nem existia pra mim até então. Queria sim que ela começasse logo, me comesse de uma vez, me atirasse nas alturas. Queria olhar aquele corpo nu, toca-lo, envolvê-lo e sentir todos aqueles pêlos dourados e maravilhosos em minhas mãos, em minha boca, sei lá...

Num repente saí da estagnação e comecei a tirar minhas roupas freneticamente. Saí arrancando botões da camisa, dilacerando a calça, atirando tênis para longe, meias e tudo o mais. Ela tratou de proteger seu vestido maravilhoso, o grande responsável e inspirador do momento mais extraordinário da minha vida, até então. Mas eu, surpreendentemente, usei de uma delicadeza adulta, madura mesmo, ao desnudá-la. Tinha pressa e loucura, curiosidade e torpor, mas sabia que aquela monumental maravilha tinha que ser sorvida com acalantos de Espanha, umedecida com o leite da mais pura cabra unicórnia do Olimpo, que levita aos cânticos dos anjos. O que aquela mulher me proporcionava naquele momento inesquecível devia ser brindado com vinhos raros no mais puro cristal, numa rua branca da Grécia.
Ela fazia de mim um homem de verdade, sendo iniciado com a mais fina flor do campo, presente de rei que entraria para a minha história e me marcaria a vida para todo o sempre. Talvez ela nem soubesse o quão santificado era aquele instante mágico e a importância de seu gesto prazeroso e nobre, nessa ordem.

Acho até hoje que os sofás são flutuantes conchas de outro mundo, naves mágicas feitas para o amor louco e desvairado de amantes cegos e desesperados, que mergulham como bárbaros irrecuperáveis num mar em eflúvio sacro inexplicável. Descobri naquele dia, que camas são dispensáveis objetos utilizados em momentos mornos e tristes dos cansados e vadios, das práticas convencionais, banais. Mas nos arroubos, o sofá é imbativelmente prazeroso.


Não tenho a pretensão de contar-lhes um caso libidinoso, embora nossa trepada, se me permitem o termo (mas não posso usar outro pra relatar aquela coisa fantástica), não tivesse sido nada convencional. Não foi mesmo. Mas eu não quero e não vou fazer disso um conto erótico vulgar qualquer. Aquele amor merece respeito.
Portanto não vou entrar em detalhes sobre a boca estupendamente ágil daquela mulher, as luas que me fez vagar como um cego alucinado, os urros animalescos que me provocou. Não vou contar o que me ensinou fazer com minha boca virgem, nada do momento angelical ou talvez brutal da delirante introdução, do contínuo exercício de um vai-e-vem desconcertante, só superado pelo final arrebatador e desesperado que quase nos fez desmaiar de luxúria. Isso tudo, vocês podem imaginar e é desnecessário dizer que o nosso amor nos levou à fraqueza e total prostração, além de uma surpreendente sensação de prazer em borbulhas e desvio total da razão em função do gozo múltiplo, prolongado e inebriante. Impossível traduzir em palavras tudo o que aconteceu e por ser inenarrável prefiro deixar que vocês imaginem.

- Você quase me enganou, não pensei que tivesse todo esse potencial. Vou ensinar-lhe mais coisas, segredinhos da prática, caminhos desavergonhados e sacanas, nas nossas próximas vezes, eu tenho certeza que haverá próximas vezes, afinal só depende de você.
Tudo isso é nossa profunda intimidade, tá? – afirmou sorrindo.

Veio a hora em que a cama tem importância, a hora do descanso do guerreiro e sua algoz.
Meu corpo, coberto em parte pelo lençol branco perfumado de loucura e amor, ainda tentava ocultar minha elogiável potência juvenil. Onde andará hoje em dia, a tal...?

Ela, não. Para meu encanto permanecia nua, à vontade, irradiando ardor e incredulidade.
Fumava um longo cigarro e soltava um turbilhão azulado de fumaça para o alto, no lustre, onde quase estivemos a minutos atrás, em nosso delírio.
Virou-se de lado em minha direção em um movimento angelical, flutuante e felino, como uma fera devoradora e propensa a ser devorada, com ardor. Pousou a cabeça em meu pálido, frágil e quase raquítico peito de macho, com seus três únicos pêlos imperceptíveis e pareceu pensar alto, séria pela primeira vez desde que nos amamos.
- Isso é nosso segredinho...!- sussurrou com voz pausada.
- Eu sei que não é mole ficar impedido de contar para seus amigos mais chegados o nosso caso, nossa aventura. Eu mesma gostaria de contar a minha única amiga nesse lugar, que namorei um menino lindo, entregador de tigres que se desintegram em nossas salas, mas que se revelou um amante muito bom, embora tão jovem.
Mas não posso fazer isso, é muito perigoso. A maioria das pessoas, principalmente os homens, gosta de amar a quem deseja, quando bem entende, mas não suporta a idéia de que a outra parte o faça. Até mata por isso em nome de uma honra, de um grande amor. Balelas, tudo é só egoísmo covarde, não passa do uso impróprio da vida alheia, de uma autoridade não aferida... Amar é outra coisa, é doação, entrega por merecimento e carinho. Tudo isso é como ir ao cinema no fim de tarde e tomar um sorvete na bomboniere do centro da cidade, distraidamente, em paz, um modo leve de ser feliz. Pelo menos para mim é assim, é só amor!
Permito tranqüilamente que você ame quem quiser, desde que volte correndo para mim... - riu.
Eu soube que seu marido era um sujeito violento, não a respeitava, a tratava como a um objeto, uma serviçal de cama e mesa e que considerava um favor cuidar dela minimamente, sem atenção, sem dedicação alguma, sem amor. Ele não a merecia.
A envolvi em meus braços e a beijei com uma força que até então desconhecia, tive medo de perdê-la, de ela não aceitar meu carinho, considerar a brincadeira acabada por hoje, afinal estava tão séria. Mas ela se entregou e me beijou com ternura diferenciada, como não o fizera antes. Queria-me como eu a ela, com amor e desejo, me tratava como a um homem feito.
A virilidade reagiu brilhantemente ao momento e mostrou-se solícita como era de se esperar,
mas um som gritante ecoou por todo o ambiente de forma espantosa, me assustando como a um rato. Demorei para dar-me conta de que era o som de um estridente despertador. Num salto de instinto, de beleza magnífica, ela ficou de pé sobre mim. Com aquele desenho inesquecível e aquela fenda maravilhosa e perfumada que me enfeitiçava, ali; na minha cara.
- Acabou-se o que era doce... Ele chega já, já... - disse-me ela meio apreensiva.
- Antes de ir diga-me o seu nome todo... O meu é só Jô... – deu de rir, enquanto me dava dezenas de beijocas gostosas e alegres.
- Eu..? – gaguejei como o idiota que realmente era.

- Eu sou o Marco. Quer dizer... O Zé Marco... - Até hoje não sei porque menti meu nome!

Lembro que quando saí pela rua naquela tarde gostosa, o céu tinha um azul lindíssimo. Bem diferente do céu que eu tinha visto quando cheguei, dos céus que tinha visto por toda a minha vida. Eu andava meio que correndo, quase navegando na alegria. Em todas as lojas tocavam músicas maravilhosas, lindíssimas, The Mammas and The Papas cantavam Monday Monday e as meninas na rua me olhavam de um jeito diferente, maduro, me deixando confortavelmente feliz, a vida era surpreendentemente mais adorável do que antes.
Não sei porque, mas estava escrito em minha cara: "Eu sou o maior! Eu sou do cacete!"
O endereço da minha loura jamais esqueci. Vivemos muitos momentos inesquecíveis e nossa entrega está em minha pele até hoje.
Como fomos felizes!

Fim

A MÃE DE DONOVAN! * por Marantbarfer

A Mãe de Donovan!

Faz frio nessa manhã de Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Nesse bairro e especialmente nessa rua muda, tão cheia de verdes em tons tão escuros, com seu imenso casario tristonho aparentando ter mais de um século de existência. O silêncio predomina e o tédio permite e transforma o ruído do tecer das aranhas vermelhas, em suas teias, em intenso burburinho, explosão de sons incompreensíveis, que vagam como ecos por labirintos semi-escurecidos das velhas casas úmidas.

A casa antiga que habitamos é esguia e insignificante em seu valor venal, envolvida por enorme gradeamento sem trato, com seus incontáveis pontos de ferrugem, definha e grita por socorro, ao exibir seu estado de profunda degradação.

Alma, a cortesã impoluta, que em seu íntimo anseia por reconhecimento, consideração, carinho ou vingança e não suporta mais a humilhação e o descaso que recebe de seu amado e do restante da família, finalmente recebe dos céus o momento de prêmio que desejava já há tanto tempo e com isso, inebriada, invade o grande salão opaco, sem vida, dito nobre, correndo ofegante e desajeitada. Cada passo rápido faz ranger e ecoar o velho assoalho encerado com esmero, o que espanta até mesmo o gato gordo acinzentado que ali mora.

Ela, por fim, cai sentada no tosco divã histórico que pertenceu a um príncipe Egípcio qualquer, conforme afirma Donovan em seus constantes momentos de delírios megalomaníacos. Ainda assim, na ânsia de blasonar agarra-se à caríssima, grossa, pesada e comprida cortina, que ali está para vedar uma luz de vida que insiste em vazar os imensos janelões de carpintaria fina, esculpidos em nobres madeiras vindas da Índia, a ferir os antigos móveis, no interior.

- Donovan..! Donovan..! Donovan..! – Alma grita sem respirar, desesperadamente à procura do amante, que não consegue identificar seu sentimento de angústia, que pende entre a alegria desenfreada e o ódio mordaz, oculto nos lábios finos e no olhar morno.

- Calma mulher. Comporte-se. Controle-se. Que barulheira absurda é essa? – diz um Donovan com voz pausada, interrompendo a tediosa tarefa investigativa de analisar o fato de haver ou não sujeira em suas unhas longas e frágeis.

- Vamos, diga logo o porquê desse maldito barulho a essa hora da manhã...? Porque tamanho escândalo...? – Indaga Donovan falsamente curioso e semi-sorridente, com seu indisfarçável tom de menosprezo à mulher que tem.

Alma controla a respiração e esboçando uma calma provocante, ela que exercitou por tanto tempo àquela situação, cruza as pernas com elegância, sensualidade e lascívia, para só então sussurrar junto ao ouvido do seu homem...

- Sua mãe... Sua mãe... - Responde Alma, aumentando o tom gradativamente, sem controlar o riso que já beira a gargalhada...

- Sua mãe morrrrreeeeuuuuuuuuu!!!!

FIM

INTERIORES MÓRBIDOS ! * de Marantbarfer

Interiores Mórbidos!



Estava eu daqui da minha janela no fim da rua, sob meu enorme flamboyant, vendo o mundo de lado com meu estranho olho esquerdo, quando percebi uma curiosa realidade cotidiana. Constatei que tenho visto o mundo assim. Sempre e sempre assim, de janelas, através dos tempos. Eu crasso, pingue-pongueando entre lucidez e razão, em observância claustral. Registrando as emoções dos movimentos, disciplinas e subordinação da languidez em cada cisco que compõe esse quadro metaforado que a natureza desenhou aqui.
Desde os primórdios sou assim, vejo o mundo das janelas dos meus olhos principalmente. Por não saber ser diferente, gosto disso como é.
O meu interior é como todo interior, escuro e silencioso. Lá fora, em ostentação, toda a luminosidade do mundo, a vida, em jactância soberba. É o beneplácito da esperança, a concordância da plenitude inexplicável.
Fotografo tudo e o efeito é sublime. Luz concentrada onde interessa, onde quero vê-la, antes, enquanto e depois das sombras, conforme dita o cotidiano.
Aqui, ali, em você, na vida e no mundo. Cores, muitas cores, todas as cores, além e acima do que exibe o proscênio do arco-íris.

Vejo a claridade sobre a garota que passa além do meu berlinense muro e penso como é doce a beleza dessa menina, que como milhões de outras quaisquer, que passam nesse mesmo momento, de algum lugar para um outro lugar qualquer e simplesmente não me vêem.
Ela ainda não sabe, mas simboliza quem eu quero ver passar e não sei por onde, não conheço o seu caminho. Quem eu quero ver indo e voltando, mas não sei do seu destino. Simboliza minha paixão maior e também meu sonho mais ridículo. Esqueçamos dela por tanto, por algum tempo, o tempo que eu suportar.

Certa vez alguns homens notáveis, cinco se não me engano, reuniram-se em torno de um pensamento, uma única finalidade. Eram todos profissionais brilhantes e muito reconhecidos, todos com capacidades notáveis para a criação independente de suas especialidades ou até por isso mesmo. Havia escritor, músico, toureiro, artista plástico, todos invejávelmente bem sucedidos em suas opções de vida. Entre eles estavam Pablo Picasso e Pedro de Alarcon, quem acabou por registrar o fato. A idéia é que cada um deles escrevesse um texto sobre o mesmo tema e A Mulher Loura, foi o tema escolhido. Que poderia ser belíssima ou não, pequena, alta, gorda, magra, não importava qual fosse a visão, A Mulher Loura seria a figura central para todos.
Uma vez acordados, embrenharam-se nessa idéia e cada qual escreveu o que via e sentia sobre a tal mulher. Fica clara a impossibilidade de se retratar a mesma mulher, de se aproximar uma das outras, pois cada um deles desenvolveu sua própria mulher loura e despejaram seus sentimentos sobre a tal, que visívelmente não poderiam ser sequer vizinhas, parentes nem pensar, eram galáxias distantes, universos desconhecidos. De semelhante só a cor dos cabelos.
Curiosamente, em minha opinião, a melhor visão e a narrativa mais deliciosa não é a do escritor, como a princípio pode-se imaginar. A volúpia, a paixão e o denodo apresentados, que independeu da exigência técnica, cresceram notadamente em quem as tinha mais. Consultem “O Chapéu de Três Bicos”, de Pedro de Alarcon e conhecerão a íntegra a respeito.
Digo tudo isso porque essa leitura me fez ver e entender o quanto e como somos únicos no que somos. Minha maneira de ver a vida e o mundo por minha janela aqui no fim da rua é muito diferente da maneira que o meu vizinho da janela ao lado vê as mesmas coisas. Embora pareça que vejamos analogamente o que se apresenta no todo daquele quadro, como sendo idêntico, em verdade os ângulos podem até se encruzilhar. Além do mais, o velho decrépito que habita aqui ao lado e a quem eu sequer cumprimento, é meio que cego, maluco e estúpido. Não necessariamente nessa ordem.


E é isso. Venho tentando há tempos enxergar e entender esse "eu" que me habita. Que é tão diferente do "eu" que habita você e de todos os outros "eus" da terra.
Há tempos que cheguei no espelho e me choquei com o que vi. Não conheci aquele cara que estava lá no espelho me olhando. Não fazia a menor idéia de quem poderia ser. Decerto não sou "eu" aquela fisionomia absolutamente estranha que vejo.
É essa casca tosca que habita esse ser primoroso e único que sou, com o qual penso e dou credito?
Absurdo de verdade. Eu mesmo jamais aceitaria, sequer conviveria ou me apaixonaria por aquela coisa que me olha lá do espelho. Imaginem então vocês, aquela menina adorável que passa tão inocentemente por aqui. Faz muito bem em me ignorar, em não me ver e prosseguir levitando em seus passos suaves em busca de seu destino.
Mas eu também não sou responsável por isso. Eu desconheço esse sujeito, não dou o meu aval e vou ignorá-lo até o fim dos tempos, que saco, cruzes!
Mas posso garantir que o "eu" interior, o que está aqui dentro da cabeçorra desarquitetada que conduzo, em forma de pensamento, esse sim. Eu conheço muito bem e respeito.

Tenho nutrido também um grande medo, através dos tempos, de não ter ou ser um espírito, uma alma ou algo desse tipo. Dessas que se eternizam, como apregoam por aí. Medo de que nada disso exista e tudo o que sou, vejo e penso se perca para todo o sempre. Que não se reproduza nem se propague por outros mundos ou galáxias. Que morra com esse corpo outrora adorável e agora detestável. Meus registros, jamais perderei meus registros. Que não se perca toda a capacidade de denúncia, repugnância, criação e esbanjamento de amor, ódio, melancolia e bravatas de que me julgo capaz.

Você, pobre você, corre o risco de jamais tomar conhecimento do que somente "eu" vejo daqui, da janela dos meus olhos e de minha janela no fim da rua.
Pare para pensar nisso. Não seria terrível você e o mundo desconhecerem para todo o sempre aquilo que só minhas janelas primordiais possibilitaram ser registrado em meu "eu"? O que guardo em minha mente? A morte não pode levar isso embora, com seu adeus mudo e inefável.

Esse besouro gigantesco. Essa borboleta extraordinária que me sabota com os azuis diferenciados sobre um negro reluzente que abraça o indefectível verde musgo que tanto amo. E aquela menina que quase dobra a esquina agora.
O que me impressiona é que ela tem a mesma altura mediana. Aquele cabelo liso e denso, castanho-negro. Aquela boca carnuda com o mesmo batom acentuado. Os olhos oblíquos. As mãos tenras e aparentemente úmidas. Os pés pálidos, magros e diminutos.
As saliências em suas curvas fundamentais são tão semelhantes às dela, o encantamento no seu ar jovial e até a risada (que certa vez por acidente ouvi) se assemelham muitíssimo. No entanto, não é ela. Está longe de ser quem não sei onde anda, por que esquinas dobra.
Isso é só um sonho idiota, improvável, impossível.
É melhor que esqueçamos dela por um bom tempo. O tempo que eu conseguir. É só um sonho!

Vivo aqui a pescar pérolas com as pontas dos dedos, jóias de ilusões que passam em gotículas inconcebivelmente azuladas e suspensas e que com extraordinária leveza se mantém no ar qual o éter inexplicável. Separadas entre si por milagrosos milímetros, se denunciam pela magnífica luz que trazem com a manhã, do sol, também com seus reflexos desconexos e surpreendentes. Permitem que por instantes, possamos com nossas janelas naturais contemplar o quão maravilhosa é a natureza. Gosto também de me voltar para o interior da casa e através dos mesmos raios solares, visualizar o leve passeio pueril que existe na luminosidade a atravessar as frestas da gelosia intervalada, generosa e desleixada de minha velha janela.
Vivo aqui a observar duendes que caminham pelas mágicas teias de aranha, que se instalaram providencialmente entre os galhos e folhas da árvore mais próxima e a fasquia em madeira da janela. Passam e fazem que não me vêem. Com enorme senso de enganação e sensível falta de educação passam por mim sem um mínimo cumprimento, um breve aceno, um piscar de olhos que seja. Acho que fazem de conta que não existo. Ou, fazem de conta que são blefes que a imaginação dos tolos criam. Querem se passar por mentirinhas e me fazem passar por um imbecil sonhador perante vocês. Mas eu, é claro, não me faço de rogado. Por vezes, é verdade, também os ignoro, mas em outras digo cordialmente: "Bom dia senhor duende. Bom dia duendinha linda! Você aí com esse lencinho vermelho na cabeça, sobre esses cabelos fantasticamente ruivos!" Bom dia!
Mas não adianta. Passam em seu mundinho particular, como se mais nada existisse. Como se aquela janela fosse deles. Absurdo!

Acho que a menina está voltando. Não vem em minha direção. Na verdade parou para colher flores e está ainda longe de mim. Mas ainda assim reparo em seus joelhos amorenados. São volumosos e estão sustentados por uma bela perna torneada e aquelas panturrilhas inexplicavelmente fortes. Daqui, posso perceber os pêlos que esvoaçam com leveza, ante o vento sortudo, que se delicia. Quanta suavidade nos movimentos...


Com cuidado posso me detalhar na observação calma, como um especialista formado em Harvard, que se surpreende na delícia do que vê, delícia farta. Quisera tocá-la com meus pensamentos
Mesmo assim, não é a minha menina. Não, não é ela, aquela moça é outra.

A que amo? Nunca a vi pela rua a vagar. Não conheço seu rosto a menos de trinta metros de distância. Nunca a vi ao sol do dia, toquei sua pele ou disse-lhe qualquer palavra. Mesmo assim a amo. Ridículo, né?
Julgo que meu testemunho sobre a frivolidade vista daqui do fim da rua é fundamental para o entendimento da vida, para a compreensão da raça humana, sobre o sentido de tudo. É claro que, o que relato aqui é o que vi e, portanto, tudo é novidade para outros.
Quem é você que não sabe o que vi? Quem é você, palpiteiro infeliz? Lamento apenas não morar na Rua Codajás, curto tanto as peles morenas. Seriam bem mais significativos os meus pronunciamentos de vida e constatações de beleza infinita.

Acho que você não tem o direito de desacreditar, de me ofender ou julgar sem provas aceitáveis. Vejo o seu sorriso indisfarçável e sua incredulidade sobre minha narrativa. MAS NÃO PRECISO DE SUA AVERBAÇÃO! NÃO QUERO SABER DOS SEUS CONHECIMENTOS UNIVERSITÁRIOS OU SUA VISÃO ILIBADA DE PESSOA RESPEITÁVEL, COM CREDIBILIDADE MERCADOLÓGICA E OUTRAS COISAS!

Droga, desculpe. Não queria altear a voz ou ser agressivo com você. Em geral sou uma pessoa calma, de bons modos e que respeita a tudo e a todos. Estou um pouco ou muito enlouquecido com tudo que me cerca. O descaso dela, que até hoje nem me conhece e sequer faz algo contra isso, sabias? Acredite se quiser, ela nem sabe que eu a amo. E eu a amo tanto...
Outro dia sonhei que a vi. Corri metade da noite até alcançá-la. Quando consegui e contemplei seu sorriso meigo, percebi que eu estava mudo, lívido e com a visão completamente turva.
Lembro que peguei suas mãos tão leves e tão quentes. Foi como viagem à vela em mar ardente. Cruzei mil continentes. Ali, em Júpiter, toquei seus diamantes como que sem querer, fiquei com vergonha. Mas, como amante fiel à sina ofereceu-me sua carne volumosa e perfumada.



Os brilhantes ocultos em sua sedução me levaram às ruas de Areia Branca, de Amaralina. A fazer passeios de sandálias, sem camisa e com calça frouxa em linho branco, contemplando o casario, com as mãos entrelaçadas.
Oh! Pequenina, meu coração de um salto só invadiu teu palco e amedrontado perdeu a direção da emoção e pendeu para o lado escuro do incerto.

Te buli. Que vergonha!
Percebeste?
Fiquei tão fraco, perdi o texto.
Perdi o tempo e corri pelos trilhos da loucura, com as mãos trêmulas buscando o verso.
Ah! Labirinto resplandecente. Vaso de sabedoria que tudo sente.
Olhar pragmático, entorpecente. Boca indomável e inocente...!
Eu quis me ver belo e belo jamais fui.
Eu quis me ver novo e novo já não sou mais.

Quando chove e as gotículas claras e perfumadas se chocam contra a mágica vidraça esverdeada da moldura da janela, lembro da juventude e de como eu era, da majestade e do semblante. Em dias assim, para melhor reviver as lembranças, invariavelmente coloco o CD Abbey Road, dos Beatles, me ajuda a transportar minha alma pra outros tempos, já que antes, eu era vigoroso e com a face pura, mergulhada em inocência e beleza. Gentil e propenso, envolvia a todas as meninas da rua e nem sabia que o fazia.
Que saudade! Que vontade de chorar!

Alguém me tocou. Agora tudo se assentou, tudo parou.
Tenho que ir com eles, pensam que tenho setenta e seis anos de idade. Está na hora da ceia e somos muito rígidos com horários e com ceias por aqui.
Dobro-me sobre os calcanhares e ainda vejo a moça que vem subindo a rua. Não há tempo para ela, afinal nem me conhece. Não me vê. Jamais observou que minha janela existe.
Em verdade, só lembra fisionomicamente minha doce e inesquecível amada, que também jamais me viu.
Também pudera... Com essa casca que eu tenho, pra quê? Em verdade, nem eu mesmo me amaria.
Caminhar a passos lentos me irrita. Acho que vão trocar meu pijama só porque esse é o que mais gosto. Falei do meu pijama verde com listinhas brancas? Ah! Deixa pra lá.
Tchau! Até amanhã mais ou menos nesse horário, certamente conversaremos mais!

FIM !

EU, ALBATROZ ! * de Marantbarfer

EU, ALBATROZ !

- "Bom Dia! Como vai você?” Estranha essa sua pressa a essa hora da manhã...! – mas ele não houve o que digo. Dispara com seus passos aparentemente efêmeros, que fingem direção estabelecida e some atrás da banca de jornais do Sr. Haroldo, o felizardo que tem as mulheres mais belas do mundo ao seu alcance, às suas mãos, todos os dias.
- "Morda um pedaço do sol na manhã..!"- gritei eu, em uma última tentativa frustrada.
Mas creio que a essas horas ele já deve ter alcançado o leito de areia clara, na margem estreita do rio e daí sumirá por um bom tempo, certamente só voltará à tarde, no cair do sol. Talvez até, amanhã ou em outro dia qualquer. Vadio esse vira-latas. Também...? É o cão do mendigo Horácio, que mora embaixo da ponte velha.

Acho que hoje não estou muito bem. Ou será que estou bem demais? Talvez seja isso, estou tão bem que pareço não estar nada bem. É meio complicado ficar bem, parece que é uma obrigação de todos nós.

O dever de estar bem, de ser feliz. Todo mundo te cobra essa droga o tempo todo, até você mesmo. Mas, se você se torna por infelicidade um cara feliz, logo vão te cobrar a possibilidade de ser feliz pacas, ser muito feliz, superfeliz e logo vem a obrigação imediata de se tornar hiper, ultra feliz. Tô fora!

Nunca mais quero abraço emprestado, sem cor. Nunca mais aquele sorriso senil, amador. Nem aquele perfume de amora de quintal, doce de flor. Nunca mais perdão, depois do adeus.
Eu sou apenas um réu primário. Que confessa tudo como um inocente e por isso viro culpado. É, mas eu sou um bom homem que crê na atitude de inflar o peito e não lançar mão do ódio rude que cultivo no peito, nem sei bem porque ou por quem. Na verdade não passa desses ódiozinhos circunstanciais... Mas eu bem sei, que devo esquecê-los todos na poltrona do cinema, como se faz com os casacos e guarda-chuvas.


Lambo um tasquinho de céu nesse dia tão cheio de amor? Cheiro um tiquinho de ar até quase encher o peito de perfume de flor?

Eu só reflito sobre o que há de bom para se fazer. Beber um golinho amargo de mar e refeito ver que é bom renascer... Voar por sobre as montanhas e se ocultar na gruta vermelha, na caverna do lobo... Caminhar pelas fendas do despenhadeiro até o braço longo do rio... Deslizar pelo precipício e me atirar do penhasco que bebe o vento.

Novos pássaros exóticos surgem lá no fim do mundo. Seus desenhos futuristas, suas cores deslumbrantes, suas garras e algo semelhante a grunhidos... Parecem tão perversos em seu layout de cinema interplanetário, que choca!
Raptam belas moças virgens e levam para Atlântida. Banham-nas em águas puras e mornas com ervas finas da Mesopotânia, armazenadas em potes de porcelana extremamente finos.

São imensas as aves que cruzam toda a Oceania e planejam chegar a Marte com seus assustadores cânticos de agouro, que rasgam o espaço.
Eu também quero chegar a Marte, hoje mesmo, até o fim do dia. E quero levar em meu bico inox àquela mulher que amo. A dona da minha vida. Não sei é se ela quer ir. Está meia que de mal comigo, como sempre; nem lembro mais o motivo.

Chegar a Marte é um problema meu, uma especial necessidade minha, não tenho que envolvê-la nisso. Daqui a pouco começo a transformar-me e tomo um novo aspecto que gradativamente vai alterando minha imagem e eu me torno algo especialmente estranho.

Pois é, no fim das tardes eu também viro ave imensa e assustadora, com meu olho vermelho e amarelo, mas sou apenas um meigo Albatroz, que sonha alto, muito alto, com inveja dos outros, querendo ser assustador também.

Aguardem e verão. Eu, albatroz!

FIM